21 de maio de 2007

Realidade e/ou Verdade Virtual

O director de fotografia de Zodiac, Harris Savides, declarou à American Cinematographer: "Part of the approach on Zodiac was to make it look mundane enough for people to accept that what they’re watching is the truth. We didn’t want to hype anything or design anything to be seductive."
E assim se lança mais uma acha para a fogueira das realidades: poderá um filme que é "fotografado" numa câmara digital (Thomson Viper FilmStream), que grava a imagem directamente em ficheiros informáticos num disco-rígido, dar ao espectador uma sensação de que o que estão a ver é verdade?
Ao visionar o filme, uma das características da imagem que salta à vista são as cenas a baixa luz sem o grão que normalmente se tem quando rodado em película. Por outro lado, em cenas de noite, em ruas escuras ou terrenos mais abandonados, o horizonte longíquo da cidade tem mais luz do que o que se passa em primeiro plano, o que é o contrário do que normalmente se captava em filme, pois os projectores que eram precisos para iluminar a cena e imprimir a imagem davam necessariamente mais leitura ao que estivesse em primeiro plano (apesar de que nos últimos anos películas mais rápidas e sensíveis já permitissem outro género de filmagem à noite, a baixa luz e quase sem grão). Mas há quem diga igualmente que gosta do grão da película, que adora particularmente o visual do 16mm transferido para 35 que aumenta substancialmente o tal grão. E há quem afirme que esse look é mais real, e que o digital é artificial.
Pessoalmente penso que a questão da realidade da imagem não está no seu suporte, mas no que é filmado. E por sua vez o que é filmado é por vezes mais real quanto mais artificial. Aliás, muitos dos efeitos especiais hoje em dia são usados não para encher o olho do espectador com os seus artifícios mas, escondendo-se, apagar os seus efeitos, e tornar mais real o que se vê na imagem.

Based on a True Lie


Neste semestre em que a reflexão sobre cinema e realidade tem sido omnipresente, vale a pena ver ou rever os dois filmes de Billy Ray (Shattered Glass e Breach) cineasta que, como realizador, parece ter uma propensão para o que eu chamaria de "histórias baseadas numa mentira real".
Em Shattered Glass, Ray conta-nos a história do jovem jornalista Stephen Glass que durante anos publicou dezenas de artigos inteiramente fabricados (ficcionados) com pessoas, empresas e acontecimentos fictícios, o que não deixa de ser interessante, pois é um movimento inverso mas semelhante ao que o cinema faz da realidade que por sua vez deveria ser o domínio do jornalismo (ou não).
Mais recentemente em Breach, baseado na investigação que levou à prisão de Robert Hanssen, agente do FBI que durante anos fez espionagem para a URSS e mais tarde Rússia (depois do colapso da União), a mentira é dulpa, pois o filme é contado do ponto de vista do jovem pseudo-estagiário Eric O'Neill, que é colocado a trabalhar com Hanssen, de forma a poder relatar todos os seus movimentos suspeitos aos superiores do FBI (na verdade, a mentira chega a ser tripla, pois numa primeira abordagem, a agente que contacta O'Neil também lhe esconde a verdade dos verdadeiros pretextos para a sua investigação).
Repare-se igualmente nas semelhanças dos dois protagonistas de ambos filmes. Ambos jovens ambiciosos e dispostos a mentir. E as fronteiras morais da mentira ficam ténues, quando a pequena mentira se multiplica e expande perante o exterior monstruoso que envolve o protagonista -- em Glass, os media, em Breach o mundo dos serviços secretos.
Billy Ray é um cineasta cuja carreira será interessante seguir, ficando a questão no ar se Ray irá se especializar neste cinema ficcional-do-real-da-mentira e, em caso afirmativo, qual será o próximo grande embuste Americano que irá retratar.

5 de maio de 2007

>Trabalho<

Escola Superior de Teatro e Cinema
ESTÉTICA
4º ano
Entrega: 5 de Junho de 2007

(Texto na caixa de mail do blog)
____________

1.

* Vernon, Florida (1982), de Errol Morris

Faça uma exposição pessoal sobre o modo de construção do filme, tendo em conta, em particular, as seguintes questões:
- a utilização de entrevistas/depoimentos
- a montagem (alternada) dessas entrevistas
- a construção de algum efeito de verdade a partir dessas entrevistas

Se quiser, pode estabelecer alguma comparação com outro(s) filme(s) que utilize(m) dispositivos com algumas semelhanças (ou contrastes).

2.

* “Estou no cinema. Assisto à projecção do filme. Assisto. Tal como a parteira que assiste a um parto e que, ao fazê-lo, assiste a parturiente, eu estou presente no filme segundo a modalidade dupla (e não obstante única) do ser-testemunha e do ser-ajudante: vejo e ajudo. Ao ver o filme eu ajudo-o a nascer, a viver, visto que é em mim que viverá e porque é feito para isso: para ser visto, isto é, para não existir senão perante o olhar. O filme é exibicionista, tal como o era o romance clássico do século XIX, com intriga e personagens, esse romance que o cinema imita (semiologicamente), prolonga (historicamente) e substitui (sociologicamente, uma vez que o escrito tomou actualmente outra via). ”

Christian Metz
(1975)

Comente de forma breve e sucinta estas palavras. Tenha em conta, em particular, o modo como nelas se insiste na singularidade da experiência de ser espectador. Se quiser, pode descrever essa experiência em contraponto com outras, não necessariamente do audiovisual (ver televisão, ler um livro, assistir a um concerto de música, etc.).

24 de abril de 2007

Dunas

Escreve Ian McEwan em jeito de nota final ao seu novo livro, Na Praia de Chesil (Gradiva), que comecei agora a ler: "As personagens deste romance são fictícias e não têm qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas. O hotel de Edward e Florence - a pouco mais de quilómetro e meio a sul de Abbotsbury, no Dorset, e situado numa elevação de um terreno por trás do parque de estacionamento da praia - não existe." O pequeno esclarecimento de McEwan é delicioso pois dá-se ao trabalho de situar com pormenor uma coisa que "não existe". Acredito que será nisto, em última análise, que consistirá não apenas a literatura como o cinema. Na fabricação de uma verdade que não existe - excepto num certo e determinado momento e numa região interior do leitor/ espectador. Um fingimento, como diria o poeta. Que pode ser verdadeiro na medida em que o sentimos como tal.

Obs. A fotografia diz respeito à praia de Chesil. A verdadeira. Que existe.

17 de abril de 2007

O desporto favorito dos italianos...

O próprio Nanni Moretti o disse, em pessoa, no passado dia 14, na apresentação do filme "O Caimão" no cinema Monumental, em Lisboa: "Este não é um filme político, é a história de um homem [o produtor, não o Berlusconi, claro] que não se deixa levar pelo desporto preferido dos italianos que é a victimização".
Interessante contudo analisar a forma como Moretti representa Berlusconi ao longo do filme: começa com um actor parecido com o original; a meio do segundo acto passa a ser apenas através de imagens de arquivo do próprio Berlusconi (e não volta a apresentar cenas com o actor); e por fim, é o próprio Moretti que o incarna. Uma progressão inédita e surpreendente em termos de escolhas e decisões de como representar uma figura real e actual num filme de ficção.

16 de abril de 2007

A regra e a excepção

3 de Abril, 6ª aula. O género documental abre, necessariamente, o espaço de reflexão — e também as interrogações — em torno da questão do realismo & verdade. Porquê? Porque o documentário é sempre um filme que parte desta constatação básica: já lá estava alguma coisa...
A démarche de Jean-Luc Godard integra essa questão, sistematicamente, obsessivamente, por vezes fazendo-nos ver que aquilo que já lá estava pode ser "apenas" uma imagem. Exemplo modelar entre todos: a curta-(curtíssima: 2 minutos)-metragem Je Vous Salue, Sarajevo (1993), toda ela construída sobre uma fotografia, obtida em Sarajevo, e a oposição entre a regra (a cultura) e a excepção (a arte).
O olhar de Errol Morris parte da constatação de que aquilo que já lá está passa também pelo que se diz sobre o que lá está. Vernon, Florida (1981) pode mesmo ser definido como o retrato de uma pequena cidade americana que nos chega, acima de tudo, pelas palavras de alguns dos seus habitantes: a tensão narrativa nasce do confronto entre a elaboração dessas mesmas palavras e, não poucas vezes, a irrisão daquilo que nos é mostrado, ou melhor, aquilo com que o cineasta se confronta. A verdade do filme está, talvez, na verdade dessa coabitação de um olhar que chega e dos lugares que o recebem, do cruzamento de uma interrogação que se formula e das palavras que, aparentemente, lhe respondem.

> Não haverá um pouco, só um pouco, de ficção em tudo isso?

* Je Vous Salue, Sarajevo (1993), de Jean-Luc Godard
* Vernon, Florida (1981), de Errol Morris

***
Para a cerimónia da 79ª edição dos Oscars da Academia de Hollywood (25 Fev.), Errol Morris realizou um pequeno filme (de pouco mais de 4 minutos) que vale a pena ver — é um exemplo de "entrevista/reportagem/documento" que integra, sem preconceitos, uma agilidade de montagem e uma alegria narrativa que temos tendência a associar apenas àquilo que chamamos ficção.

Realismo rosenbergiano

Stuart Rosenberg faleceu no passado mês de Março antes de completar 80 anos. Da sua filmografia não rezam muitos dos livros que dizem respeito à história do cinema. A omissão justificar-se-á pela irregularidade do trabalho deste que foi no entanto um estimável profissional que teve no género "filme de prisão" talvez as duas únicas e discretas glórias. Rosenberg era o realizador de Cool Hand Luke, com Paul Newman - o seu filme até ao presente mais celebrado, basta recordar o cartaz do mesmo que viamos no quarto Monty Brogan, protagonista dessa obra-prima que dá pelo nome de 25th Hour -, e cerca de duas décadas mais tarde de Brubaker (1980), com Robert Redford. É sobre este último que gostava de referir o notável trabalho de direcção artística de J. Michael Riva (que se note, neto de Marlene Dietrich), responsável pela construção do cenário da prisão de Wakefield onde tem lugar quase toda a acção: o trabalho de Riva terá impressionado de tal modo Redford, que este o chamou em seguida para trabalhar no seu primeiro filme que viria a dirigir nesse mesmo ano, o belíssimo melodrama de câmara Ordinary People. Brubaker baseia-se em acontecimentos reais e fala-nos das condições desumanas e da mais vergonhosa corrupção praticada numa prisão algures no sul dos Estados Unidos, onde se reproduziam modelos que apenas podemos chamar de escravatura. Brubaker não é obra totalmente lograda na medida em que uma vez esclarecida a identidade daquele que se revela ser o novo director prisional, Brubaker (Robert Redford), o filme vai perdendo intensidade dramática - apesar da notável direcção de óptimos actores (Morgan Freeman anda por lá e "como" se faz notar!) - no decorrer da cruzada deste que se revela (hoje?) algo previsível. O filme de Rosenberg é talvez num sentido mais abrangente uma obra de temática social (até algo utópica) que depois gere os conflitos que estabelece com puerilidade e desenbaraço mais característicos da série B. Mas tem, recorde-se, um conjunto de décors fortíssimos - valorizados pela fotografia do francês Bruno Nuytten - que nos projectam no interior da prisão de Wakefield e arredores, e nos mantêm em alerta constante face às atrocidades verificadas. O cinema pode até ser de segunda, mas a carpintaria é definitivamente de primeira.

Follow the camera

Onde colocar a câmara? Três respostas de Orson Welles:

The Lady from Shanghai /A Dama de Xangai (1947)

Touch of Evil / A Sede do Mal (1958)

Chimes at Midnight /As Badaladas da Meia-Noite (1965)

15 de abril de 2007

Follow me

The Steadicam (a hand-held camera), like many another technological miracle, has done injury; it has injured American movies, because it makes it so easy to follow the protagonist around, one no longer has to think, “what is the shot?” or “where should I put the camera?

David Mamet - "Storytelling"
in On Directing Film

11 de abril de 2007

4' 43"


No filme Last Days (2005), de Gus Van Sant, há um momento particularmente esclarecedor da inesperada e fascinante dicotomia que a relação verdade/artifício pode implicar. A certa altura, vai o filme em 45 minutos e 25 segundos, inicia-se um plano sobre uma janela da casa onde está a viver Blake (Michael Pitt). A câmara começa a deslocar-se lentamente para trás, perpendi-cularmente à parede. Blake está no interior a experimentar alguns instrumentos, primeiro as guitarras eléctricas, depois uma bateria. Temos a noção da sua actividade pelas deslocações e movimentos da sua figura, mas também pelos sons que vai acumulando e constroem uma espécie de canção improvisada — a câmara filma em continuidade, aumentando a distância em relação à origem dos sons que, em todo o caso, vão também aumentando de intensidade e complexidade. O plano termina quando o filme chega aos 50 minutos e 8 segundos.

Em boa verdade, aquilo que acontece é algo de eminentemente — e, apetece dizer: exclusivamente — cinematográfico: assistimos a uma pura duração (4 minutos e 43 segundos), quer dizer, a um tempo linear que se reproduz como tal na aliança vital da imagem e do som, da banda-imagem e da banda-som. O cinema é, então, em sentido físico e metafísico, uma ocupação do tempo. E o tempo, provavelmente, é sempre verdade.

10 de abril de 2007

Pintar + escrever + filmar

De alguma maneira, o trabalho de Godard sobre as imagens — e os sons — obriga-nos a pensar e repensar a verdade daquilo que vemos (e ouvimos). Se ele diz que "o cinema acabou", é apenas porque o continua para além da sua morte. Assim, por exemplo, as imagens de Histoire(s) du Cinéma estão para além da citação de filmes. Mais precisamente, cada vez que Godard reinveste uma imagem de outro filme, o que ele faz/mostra é a reconversão dessa imagem em matéria viva do filme a que estamos a assistir. Daí o paradoxo: a imagem transforma-se em tela de pintura (sentimos os gestos que a redesenham) e página de escrita (aberta a todas as narrativas). No limite, deparamos com esta verdade transparente e infinitamente enigmática: "a câmara é o écran".
> (Pergunta de algibeira: quem está por detrás das letras amarelas ? )

8 de abril de 2007

Mentira / Verdade

1968 ano 0. Godard viaja para Londres e filma o processo de criação de uma música pelos Rolling Stones: Sympathy For The Devil. O ensaio, as paragens, as repetições das takes, ficando-nos esse carácter fragmentário de uma gravação: vozes, ritmos, guitarras, etc. A versão final (disco) integra-se na banda sonora no fim do filme, os elementos unificam-se. Esta dinâmica fragmentária é acentuada pela inclusão na montagem de discursos e intervenções de radicais como os Black Panthers, o sangue das vítimas que vemos não é sangue, é tinta "verdadeira". (algo semelhante teria dito Godard a propósito desse vermelho dos seus filmes). Duas realidades, duas mentiras acerca de uma civilização à beira do colapso: Maio de 68, guerra do Vietname, etc. As roupas coloridas e vistosas, os penteados dos Stones possuem o estatuto de adereços/figurinos? Os discursos e as inscrições subversivas dos contestatários são pura mise en scène? 24 imagens por segundo, seja do que for...



imdb
link 2

4 de abril de 2007

Atraiçoar ou não atravessar?

What the hell do you think spies are? Moral philosophers measuring everything they do against the word of God or Karl Marx? They're not! They're just a bunch of seedy, squalid bastards like me: drunkards, queers, hen-pecked husbands, civil servants playing cowboys and Indians to brighten their rotten little lives. Do you think they sit like monks in a cell, balancing right against wrong? (Alec Leamas, The Spy Who Came in From the Cold, 1965)

"To cross or not to cross? To double cross or not to double cross?" São as questões, morais e ficcionais, que o livro de John Le Carré coloca, que o filme de Martin Ritt adapta, que o actor Richard Burton (Alec Leamas) personifica. O p&b da fotografia, sujo, está lá para reforçar o desencanto e o cinismo dos homens que já não sabem quem são, de tanto atravessarem de um lado para o outro (do Leste para o Oeste da Alemanha e vice-versa), de tanto atraiçoarem quer para um lado, quer para o outro. O resultado é o oposto da fantasia: e os filmes da série James Bond eram já muito populares na altura. O oposto da espectacularidade (não forçosamente má) poderá ser o realismo (não necessariamente bom). O Espião Que Veio do Frio é o retrato sóbrio e implacável de um homem que precisa "fingir-se" constantemente ébrio para que outros acreditem naquele que mandaram que ele fosse. Tal como o cinema: sempre falso mas quanto mais competente a falsificação, mais forte a impressão de verdade deixada. Numa só palavra, realismo. Que não tem época. Que é intemporal. E que se serve frio.

Ver / não ver

2007, "300", de Zack Snyder

3 de abril de 2007

FRAGMENTOS (Scorsese + De Niro)

1991, "Cape Fear"

Verdade / mentira

Errol Morris: "I've never liked the idea expressed by Godard that film is truth 24 times a second. I have a slightly different version. Film is lies 24 times a second. Almost the same, slightly different."

31 de março de 2007

"Welcome to the real world"

Espantosa imagem de The Matrix (1999), confrontando-nos com uma realidade que se expõe na sua própria perdição. Quem está a olhar? Qual o nosso ponto de fuga? Qual o ecrã cuja acção seguimos?
Rever o trailer do filme pode ter algo de pedagógico. Nele se sistematizam, afinal, as três questões que nos perseguem:
1. Onde está o real?
2. O que é a verdade?
3. O que é uma relação (com uma imagem, com um nosso semelhante)?

Artifícios realistas

IRVING PENN
Salad Ingredients
New York, 1947

FRAGMENTOS (Wachowski + Wachowski)

1999, "The Matrix"

30 de março de 2007

"Casting Newman..." segundo Kael

No texto que vem após a introdução e que dá início à "bíblia" da análise de filmes que é For Keeps..., de Pauline Kael (1919-2001), a autora que foi das vozes mais influentes na consagração de algum cinema europeu na América e de algum cinema norte-americano dentro e fora de portas, refere-se a Hud (O Mais Selvagem Entre Mil), de Martin Ritt, um dos títulos importantes de 1963 (recebeu três Óscares para actores secundários e direcção de fotografia), detendo-se em questões de verosimilhança do casting (em particular da escolha de Paul Newman para a figura do rebelde cínico e misógino Hud Bannon) e também do labor realista sobre o universo ficcionado que Kael conhecia particularmente bem. O texto completo é longo - cerca de 10 páginas de densa mancha gráfica - e saiu originalmente no número de Verão de 1964 da revista Film Quarterly. Vale a pena ler, no mínimo, os parágrafos que escolhi (não encontrei o texto na internet...). Kael mantém-se uma referência incontornável pela enorme bagagem cultural, pela qualidade do raciocínio e da escrita, e ainda pelo modo como deixou transparecer o facto de a sua história pessoal condicionar em parte a análise dos filmes, que considerava ser "o melhor trabalho do mundo".

«Somehow it all reminds me of the apocryphal story conference – “It’s a modern western, see, with this hell-raising, pleasure loving man who doesn’t respect any of the virtues, and, at the end, we’ll fool them, he doesn’t get the girl and doesn’t change!”
“But who’ll want to see that?”
“Oh, that’s all fixed – we’ve got Paul Newman for the part.”
They could cast him as a mean man and know that the audience would never believe in his meanness. For there are certain actors who have such extraordinary audience rapport that the audience does not believe in their villainy except to relish it, as with Brando; and there are others, like Newman, who in addiction to this rapport, project such a traditional heroic francness and swetness that the audience dotes on them, seeks to protect them from harm or pain. Casting Newman as a mean materialistic is like writing a manifesto against the banking system while juggling your investments so you can break the bank. Hud’s shouted last remark, his poor credo, “The world’s so full of crap a man’s going to get into it sooner or later, whether his careful or not,” has, at least, the ring of his truth. The generalized pious principles of the good old codger belong to no body.
(…)
The setting, however, wasn’t melodramatic, it was comic – not the legendary west of myth-making movies like the sluggish Shane but the modern West I grew up in, the ludicrous real West. The comedy was in the realism: the incongruities of Cadillacs and cattle, crickets and transistor radios, jukeboxes, Dr Pepper signs, paperback books – all emphasizing the standardization of culture in the loneliness of vast spaces. My West wasn’t Texas; it was northern California, but our Sonoma County ranch was very much like this one – with the frame house, and the “couple’s” cabin like the housekeeper’s cabin, and the hired hands’ bunkhouse, and my father and older brothers charging over dirt roads, not in Cadillacs but in Studebakers, and the Saturday nights in the dead little town with its movie house and ice cream parlor. This was the small-town West I and so many of my friends came out of – escaping from the swaggering small-town hotshots like Hud. But I didn’t remember any boys like Brandon de Wilde’s Lon: he wasn’t born in the West or in anybody’s imagination; that seventeen-year-old blank sheet of paper has been handed down from generations of lazy hack writers. His only “reality” is from Wilde’s having played the part before: from Shane to Hud, he has been our observer, our boy in the West, testing heroes. But in Hud, he can’t fill even this cardboard role of representing the spectator because Newman’s Hud has himself come to represent the audience.»

[Hud, Deep in the Divided Heart of Hollywood, Pauline Kael, For Keeps – 30 years at the Movies (Dutton, 1994), págs. 4 e 6]

29 de março de 2007

O contexto é tudo

27 de Março, 5ª aula. Eis uma equação possível para definirmos a dinâmica do cinema face ao real (questões pendentes: que é o real? que é estar "face" ao real?):

REALISMO
(querer mostrar as coisas "como elas são")
<>
VEROSIMILHANÇA
(mostrar de modo a suscitar alguma crença
naquilo que se mostra)
<>
CONTEXTO
(aquilo que sustenta a verosimilhança
e pode favorecer alguma forma de realismo)
<>
PRODUÇÃO DE UMA NOVA REALIDADE
(NARRATIVA)


*

Quando vemos os Pet Shop Boys no teledisco de Go West (real.: Howard Greenhalg, 1993), compreendemos que a tecnologia digital favorece novos arranjos das próprias representações que construímos: as suas personagens artificiais e artificiosas movem-se num mundo virtual em que, por exemplo, os símbolos do Ocidente (Estátua da Liberdade) e do Leste (a iconografia soviética) podem coexistir em nome do próprio espectáculo. Quando os vemos a caminhar na Praça Vermelha, em Moscovo, temos uma estranha prova de verdade: as personagens "falsas" estão num lugar verdadeiro, desse modo confirmando a sua própria e peculiar verdade.

*
PopArt - The Videos (2003), dos Pet Shop Boys
*
Personal Velocity (2002), de Rebecca Miller

"Drink liquid clocks"

Time Code (teledisco)
Bright Eyes
Álbum: Digital Ash in a Digital Urn (2005)
Real.: Justin Metcalfe

FRAGMENTOS (Figgis, Mike)

2000, "Timecode"

Barthes: colar o nariz ao écran

"A imagem fílmica (incluindo o
som), o que é? Um logro. É preciso entender esta palavra no sentido analítico. Estou fechado com a imagem como se estivesse apanhado na famosa relação dual que funda o Imaginário. A imagem está ali, diante de mim, para mim: coalescente (significante e significado bem fundidos), analógica, global, prenhe; é um logro perfeito: precipito-me para ela como um animal para o pedaço de trapo 'verosímil' que lhe estendem; e, é claro, ela sustenta no sujeito que creio ser o desconhecimento ligado ao Ego e ao Imaginário. Na sala de cinema, por muito longe que eu esteja situado, colo o nariz, até o esmagar, ao espelho do écran, a esse 'outro' imaginário com que me identifico narcisicamente (diz-se que os espectadores que escolhem colocar-se o mais perto possível do écran são as crianças e os cinéfilos); a imagem cativa-me, captura-me: colo à representação, e é esta cola que funda a naturalidade (a pseudo-natureza) da cena filmada (cola preparada com todos os ingredientes da 'técnica'); o Real, esse, só conhece distâncias, o Simbólico só conhece máscaras; só a imagem (o imaginário) é próxima, só a imagem é 'verdadeira' (capaz de produzir a ressonância da verdade)." [extracto de Ao sair do cinema, texto de 1975]

Roland Barthes
in O Rumor da Língua (Edições 70, 1987)

PS - Quando esta tradução saíu, a grafia portuguesa de écran ainda era igual à francesa. Modernizámos a escrita ("ecrã"), perdemos o laço com a origem.

28 de março de 2007

1975: o velho e o novo

Facto 1 > A actual proliferação da tecnologia digital é um fenómeno essencial ao cinema do presente e, por certo, também ao cinema do futuro (ou à coisa que o futuro do cinema gerar).
Memória > É vital não esquecer a imensa, plural e paradoxal história da convivência dos profissionais de cinema (e televisão) com o digital. É importante, acima de tudo, não cair na ligeireza "jornalística" que reduz todas as novidades ao que aconteceu... nos últimos seis meses.
Facto 2 > Foi em 1975 — portanto, há mais de 30 anos — que Jean-Luc Godard começou a sua convivência, multifacetada e agressiva, com os recursos específicos do video, antepassado próximo daquilo que, agora, referimos sob a designação genérica de "digital". Aconteceu no filme Número Dois, depois de Tout Va Bien (1972) e Letter to Jane (1972).

*
Godard filmava o espaço íntimo de uma família, desnudando-o de qualquer passado melodramático e esvaziando-o de qualquer lógica moralista. O video, justamente, com a sua crueza prática e a qualidade "suja" das suas imagens, permitia-lhe colocar uma nova questão: para onde vai o cinema que já não é filmado, mas registado? Era uma questão (ainda actualíssima) que, em última instância, o levava a encenar-se dentro do filme numa solidão contida, acompanhado pelas suas máquinas, as velhas e as novas.
*
* 1975: crítica ao filme na revista Jump Cut.
* 1981: Numéro Deux no New York Times.

Vampiros, nosso semelhante


Na imagem de cima a actriz Zoe Lund no filme Bad Lieutenant, do qual foi também co-argumentista. Tem a expressão de quem se evade do mundo após ter injectado heroína no seu corpo. Misturada com o seu sangue. Momentos depois, completamente pedrada, dirá a LT (Harvey Keitel) que se encontra junto dela: "Vampires are lucky, they can feed on others. We gotta eat away at ourselves". Não foi a frase, mas podia ser, que me levou a propor para a próxima aula o visionamento de uma sequência por escolher de Trouble Every Day, da realizadora francesa Claire Denis (imagem de baixo), protagonizado por Béatrice Dalle e Vincent Gallo. Provavelmente o filme de vampiros mais realista que alguma vez vi. Que até hoje me assombra do mesmo modo que o fazem todos os filmes que permanecem connosco. Terá por vezes demasiado vermelho-sangue para que o seja: i.e., realista? Concedo. Por outro lado, nada mais reconhecível do que o que temos no corpo dentro das veias: com ou sem aditivos. E nada tão expressivo como o sangue para dar a ver a angústia que, nuns mais noutros menos, corrói a nossa existência. Para compreendermos talvez que a necessidade de consolo é (tão) impossível de satisfazer em nós (Stig Dagerman escreveu-o; é frase que vale todo um texto) como o será neles, vampiros, nossos semelhantes. Vamos ver. Assim o espero. A não ser que até lá alguém me morda no pescoço.

27 de março de 2007

FRAGMENTOS (Godard)

1988-1998, "Histoire(s) du Cinéma"

FRAGMENTOS (Welles)

1948, "The Lady from Shangai"

Realismo e narrativas fragmentadas

"L'Année Dernière à Marienbad" (1961), de Alains Resnais

"[...] Straightforward chronology driven by cross-cutting among parallel actions, a technique that was invented by D. W. Griffith almost a hundred years ago. It still may be the best way of leading us to the paradise of a morally complicated but flawlessly told story."

Assim termina o artigo The New Disorder de David Denby na revista The New Yorker de 5 de Março 2007 onde se reflecte sobre a narrativa fragmentada no cinema, mais concretamente o mais recente movimento de fragmentação iniciado com o Pulp Fiction de Quentin Tarantino (apesar de Denby prestar a devida a homenagem a anteriores fragmentadores de Resnais a Harold Pinter) aos dias de hoje, mais em moda do que nunca, com o recente Babel da dupla Arriaga e Iñárritu. As questões que se levantam acabam todas no mesmo tema que aqui tratamos: onde está a verdade? Pela leitura da frase final que citei em cima, poder-se-á antever a moral da história do artigo, mas a análise crítica que Denby exercita neste texto poderá ser um ponto de partida para mais discussão e reflexão.

24 de março de 2007

Reproduzir / representar

GOTTFRIED HELNWEIN
American Madonna (Epiphany IV), 2000
(177 cm x 213 cm)
Óleo e acrílico sobre tela

Elogio do contexto

Um filme é uma relação — de um olhar com um objecto, de muitos olhares com muitos objectos. Por isso mesmo, um filme remete sempre para um lugar e um tempo, isto é, um contexto. Jean-Luc Godard, por exemplo: em 1972, por altura da estreia de Tout Va Bien, ele analisava assim o conceito de "filme político", ou melhor, os modos de fazer política filmando. Para além da ganga ideológica da época (mas também através dela), eis um testemunho exemplar de quem pensa as relações que os filmes estabelecem e, no fundo, as relações que os filmes são.

23 de março de 2007

Um estremecimento interior

Na última aula andámos todos em busca da "verdade" nos filmes. Falou-se de verosimilhança, de representação, de transcrição. As imagens chegaram por via do cinema de Cassavetes e de Jerry Lewis. Fixo-me no primeiro exemplo que é o que me interessa. Os primeiros 15/ 20 minutos de Minnie and Moscowitz (editado recentemente em Portugal com o título Tempo de Amar). Em concreto, a cena no interior do avião com a criança que se recusa a comer. A dado momento, perante a insistência e o desespero da mãe, a criança desvia o olhar e denuncia a presença da câmara. Quebra de "verdade"? Na minha opinião, absolutamente o contrário. O instante em que o olhar da criança dá de frente com a câmara de filmar, é o que de mais verdadeiro existe na cena. A criança deixa de ser personagem por menos de um segundo e eu vejo um actor que se debate com uma técnica que não domina por inteiro. Vejo uma pessoa inserida numa lógica de improvisação cujo pequeno deslize me diz: no cinema é tudo representação. Se tudo é representação, então onde está a tal "verdade" que procurávamos?
Preciso de saltar para outro exemplo não visto nas aulas. Falo de Bad Lieutenant de Abel Ferrara e da cena em que o polícia molesta verbal e sexualmente duas raparigas que se encontram no interior de uma viatura que ele manda encostar. Depois de as ameaçar com o pai de uma delas, com a ida à esquadra, com as consequências de se encontrarem a conduzir sem carta, o LT interpretado por Harvey Keitel pede a uma das raparigas que lhe mostre as nádegas e à outra que simule uma felação enquanto o polícia se masturba. Aquilo que me leva a afirmar que a "verdade" do cinema se encontra, por exemplo, numa cena como esta e num filme como Bad Lieutenant é o facto de o mesmo me fazer sentir uma espécie de estremecimento interior de cada vez que o vejo.
O efeito não se alterou pelo facto de eu ter vindo a saber muito mais sobre a produção deste filme do que na ocasião em que o vi pela primeira vez. Sei do enorme envolvimento de Harvey Keitel no projecto, a pontos de Ferrara lhe propor a co-autoria do argumento. Sei também que Keitel terminara por essa altura a sua relação com a actriz Lorraine Bracco e que se ligara até às últimas consequências ao trajecto de abjecção e redenção do seu personagem. Sei ainda que a sua enorme crença nos méritos da improvisação levava a que não houvessem duas takes "iguais". Quando observamos Keitel a snifar, é cocaína que ele snifa; quando o vemos injectar heroína, é heroína que tanto ele como Zoë Lund (a argumentista de Bad Lieutenant junto com Ferrara) injectam; quando o vemos beber, ele dirige-se destravadamente para a embriaguez; quando se masturba em frente às raparigas, ele masturba-se (e uma delas, tal como a criança do filme de Cassavetes, mostra um olhar - aqui, incrédulo - para a câmara que denuncia a representação que observamos, transmitindo um cunho suplementar de "verdade" a toda a cena).
A "verdade" no cinema não implica necessariamente um envolvimento até às mais sórdidas evidências naquilo que se vai filmar. Há por aí muito cinema que se diz vérite que não transcende o mais rasteiro exibicionismo. A "verdade" só existe (pelo menos para mim) quando dentro de nós tem lugar um qualquer estremecimento. Que nos pode chegar por diversos lados. Por via moral ou estética. Por associação livre de sensações, memórias ou ideias. Por um instante revelador de um sentido extraordinário. Pela expressão, no filme, de qualquer coisa que escondíamos dos outros ou que desconhecíamos em nós próprios. O estremecimento interior é algo que nos expõe até mesmo no interior de uma sala muito escura. É talvez uma espécie de solidão que não queremos partilhar com ninguém. Que nos faz temer o regresso a algo que nos fez mal. Que nos faz ter medo da atracção por algo que nos pode vir a acontecer. A "verdade" no cinema é aquilo que talvez só os filmes (ao contrário do espectador de cinema) poderão levar até à derradeira explicitude. De uma coisa apenas estou certo. Há muitos caminhos para atingirmos a "verdade" nos filmes. Tantos quantos os que levam a que sejamos por ela atingidos. Todos eles são pessoais, secretos, misteriosos. Partilháveis mas só em parte.

22 de março de 2007

Próximo da verdade

20 de Março, 4ª aula. Ainda os cenários em corte. Ainda Godard, Jerry Lewis e... John Cassavetes (1929-1989). O contraponto de Cassavetes é tanto mais estimulante quanto, de facto, são três contemporâneos. No caso dos dois americanos, talvez possamos mesmo dizer que eles se aproximam através de uma insólita distância geográfica e cultural: Jerry é indissociável do entertainment da costa Oeste dos EUA, Los Angeles e Hollywood — a sua visão crítica do espectáculo não deixa der interior a esse mesmo espectáculo; Cassavetes é produto da costa Leste, e de um contexto eminentemente novaiorquino, como realizador desde o princípio (Shadows, 1959) ligado a uma aposta fundamental nas novas técnicas ligeiras (câmaras mais leves e som directo). Ver Gena Rowlands em Minnie and Moskowitz/Tempo de Amar (1971) é, assim, deparar com uma atitude criativa — e uma forma de ser actor/actriz — que acredita que o cinema está, pode estar, próximo de alguma verdade. Neste tempo de triunfo da retórica da reality TV, que significa estar próximo da verdade? E qual verdade?

21 de março de 2007

Técnica / tecnologia

* técnica1 conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência. 1.1 a parte material dessa arte ou ciência. 2 maneira de tratar detalhes técnicos (como faz um escritor) ou de usar os movimentos do corpo (como faz um bailarino)...

* tecnologia1 teoria geral e/ou estudo sistemático sobre técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos de um ou mais ofícios ou domínios da actividade humana (p.ex., indústria, ciência etc.). 2 técnica ou conjunto de técnicas de um domínio particular. 3 qualquer técnica moderna e complexa...

definições (extractos) do
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(Temas e Debates, 2005)

20 de março de 2007

Formas & narrativas

16 de Março, 3ª aula. A história da técnica e a história das formas existem numa permanente interacção — transformações técnicas desencadeiam novas questões formais, experimentações formais fazem desejar novas técnicas.
Quando olhamos sucessivamente as imagens dos cenários (em corte) de The Ladies Man/O Homem das Mulheres (1961), de Jerry Lewis, e Tout Va Bien/Tudo Vai Bem (1972), de Jean-Luc Godard (que, na altura, com Jean-Pierre Gorin, formava o "Grupo Dziga Vertov"), deparamos com a duplicidade da técnica: instrumento de trabalho e gerador de formas & narrativas. Embora de modo diverso, em ambos os casos a exposição dos cenários não se faz "contra" o efeito de real mas, por assim dizer, à custa dele. Como se cada filme possuísse uma voz, desconcertante e fria, que diz ao espectador: "eu sei que tu estás aí..."

* The Ladies Man (1961), de Jerry Lewis
*
Tout Va Bien (1971), de Jean-Luc Godard

PS - 16 de Março de 2007: Jerry Lewis fez hoje 81 anos. Jean-Luc Godard nasceu a 3 de Dezembro de 1930.

19 de março de 2007

Técnicas & formas

Creio que se pode dizer que O Bom Alemão, de Steven Soderbergh, é um filme incrustado na técnica de outra época (a década de 1940, com os seus emblemáticos melodramas de guerra). Ou melhor: um filme que, embora partindo de um aparato técnico completamente diferente, nos remete para as memórias das formas do cinema clássico de Hollywood. E vale a pena sublinhar as diferenças técnicas que geram as "semelhanças" visuais: afinal de contas, as imagens de O Bom Alemão resultam de uma filmagem a cores em que o tratamento do laboratório de technicolor é essencial para chegar ao... preto e branco.
*
Sugestão: a leitura de um texto de Larry Gross — argumentista de We Don't Live Here Anymore/Desencontros (2004), de John Curran —, precisamente sobre o modo como algum cinema contemporâneo se apropria de matrizes clássicas para as repensar e, de alguma maneira, refazer através de novos recursos técnicos, em particular de natureza digital. O tema de Larry Gross é Zodiac, o novo filme de David Fincher (estreia portuguesa: 17 Maio).

16 de março de 2007

As coisas e as palavras

"Se o traço característico da nossa época é a confusão, distingo perfeitamente na raiz desta confusão uma ruptura entre as coisas e as palavras, entre as coisas e as ideias e os signos que as representam."

Antonin Artaud
in O Teatro e o Seu Duplo (Fenda, 2006)

Mondrian, 1920

PIET MONDRIAN
Composição em Vermelho, Negro, Azul, Amarelo e Cinzento, 1920

15 de março de 2007

Virose



No fundo, talvez que o Sr. Hulot seja apenas um vírus que circula sempre pelo caminho "errado"...

Redes

Tati/Hulot confronta-se com uma rede de trajectos e circuitos que observa, mas não compreende, muito menos domina. O burlesco nasce da sua permanente tentativa de adequação a tal labirinto. Dir-se-ia que ainda há realismo, mas já não se sabe o que é o real...

Talvez se possa dizer que a cidade "transparente" que Tati observa/inventa/filma antecipa a multiplicidade de ligações contemporâneas, de computador para computador — a Internet, enfim. Até mesmo um computador da NASA se pode parecer com os interiores de Tati.

Como poderá ser um mundo "aberto", de circuitos "francos" que, por assim dizer, se sustentam apenas pela possibilidade de... se formarem? Na revista Wired, por exemplo, há quem pense essa hipótese.