13 de março de 2007

Onde está o homem?

6 de Março, 2ª aula. Jacques Tati é um caso extremo — e, ao mesmo tempo, irónico, quase dançante — de entendimento das relações do homem com a técnica e da técnica com as formas (e não é verdade que, quando chegamos às formas, reencontramos o humano?). Quando fez Playtime (1967), o seu sistema expressivo tinha chegado, por assim dizer, ao cume da sua própria lógica. Se o filme anterior, O Meu Tio (1958), era uma espécie de requiem ainda risonho, mas já secretamente desencantado, por uma França "familiar", tocada pelas primeiras convulsões da sociedade de consumo, Playtime decorre do triunfo pleno dos valores dessa mesma sociedade.
Tati constitui o exemplo modelar de uma visão verdadeiramente política da técnica: com ele, não há técnica abstracta ou neutra; se rasparmos a superfície das coisas, encontramos sempre o homem. De forma talvez sugestiva, podemos considerar que, nos seus filmes (e muito em particular em Playtime), há sempre humanidade, mas começa a faltar a crença humanista.
Por vias distantes, mas estranhamente cúmplices, o cinema de Alfred Hitchcock durante as décadas de 1960/70 dizia algo de semelhante. E com um défice simbólico que, em Hitchcock, está longe de ser banal: já não havia stars, à maneira clássica, e sobravam homens banais, porventura medíocres, relações superficiais e mercantis — nenhum romantismo. Ou ainda: o humano estava a adquirir os contornos de uma rotina sem transcendência. De alguma maneira, Frenzy/Perigo na Noite (1972) é a bizarra e perturbante apoteose dessa decomposição: identificamo-nos com o criminoso porque, de facto, já não havendo verdadeiros heróis, só não podemos abdicar do prazer de sermos espectadores.

* Playtime (1967), de Jacques Tati