
Tati constitui o exemplo modelar de uma visão verdadeiramente política da técnica: com ele, não há técnica abstracta ou neutra; se rasparmos a superfície das coisas, encontramos sempre o homem. De forma talvez sugestiva, podemos considerar que, nos seus filmes (e muito em particular em Playtime), há sempre humanidade, mas começa a faltar a crença humanista.
Por vias distantes, mas estranhamente cúmplices, o cinema de Alfred Hitchcock durante as décadas de 1960/70 dizia algo de semelhante. E com um défice simbólico que, em Hitchcock, está longe de ser banal: já não havia stars, à maneira clássica, e sobravam homens banais, porventura medíocres, relações superficiais e mercantis — nenhum romantismo. Ou ainda: o humano estava a adquirir os contornos de uma rotina sem transcendência. De alguma maneira, Frenzy/Perigo na Noite (1972) é a bizarra e perturbante apoteose dessa decomposição: identificamo-nos com o criminoso porque, de facto, já não havendo verdadeiros heróis, só não podemos abdicar do prazer de sermos espectadores.
* Playtime (1967), de Jacques Tati
* Frenzy (1972), de Alfred Hitchcock