16 de abril de 2007

A regra e a excepção

3 de Abril, 6ª aula. O género documental abre, necessariamente, o espaço de reflexão — e também as interrogações — em torno da questão do realismo & verdade. Porquê? Porque o documentário é sempre um filme que parte desta constatação básica: já lá estava alguma coisa...
A démarche de Jean-Luc Godard integra essa questão, sistematicamente, obsessivamente, por vezes fazendo-nos ver que aquilo que já lá estava pode ser "apenas" uma imagem. Exemplo modelar entre todos: a curta-(curtíssima: 2 minutos)-metragem Je Vous Salue, Sarajevo (1993), toda ela construída sobre uma fotografia, obtida em Sarajevo, e a oposição entre a regra (a cultura) e a excepção (a arte).
O olhar de Errol Morris parte da constatação de que aquilo que já lá está passa também pelo que se diz sobre o que lá está. Vernon, Florida (1981) pode mesmo ser definido como o retrato de uma pequena cidade americana que nos chega, acima de tudo, pelas palavras de alguns dos seus habitantes: a tensão narrativa nasce do confronto entre a elaboração dessas mesmas palavras e, não poucas vezes, a irrisão daquilo que nos é mostrado, ou melhor, aquilo com que o cineasta se confronta. A verdade do filme está, talvez, na verdade dessa coabitação de um olhar que chega e dos lugares que o recebem, do cruzamento de uma interrogação que se formula e das palavras que, aparentemente, lhe respondem.

> Não haverá um pouco, só um pouco, de ficção em tudo isso?

* Je Vous Salue, Sarajevo (1993), de Jean-Luc Godard
* Vernon, Florida (1981), de Errol Morris

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Para a cerimónia da 79ª edição dos Oscars da Academia de Hollywood (25 Fev.), Errol Morris realizou um pequeno filme (de pouco mais de 4 minutos) que vale a pena ver — é um exemplo de "entrevista/reportagem/documento" que integra, sem preconceitos, uma agilidade de montagem e uma alegria narrativa que temos tendência a associar apenas àquilo que chamamos ficção.