4 de abril de 2007

Atraiçoar ou não atravessar?

What the hell do you think spies are? Moral philosophers measuring everything they do against the word of God or Karl Marx? They're not! They're just a bunch of seedy, squalid bastards like me: drunkards, queers, hen-pecked husbands, civil servants playing cowboys and Indians to brighten their rotten little lives. Do you think they sit like monks in a cell, balancing right against wrong? (Alec Leamas, The Spy Who Came in From the Cold, 1965)

"To cross or not to cross? To double cross or not to double cross?" São as questões, morais e ficcionais, que o livro de John Le Carré coloca, que o filme de Martin Ritt adapta, que o actor Richard Burton (Alec Leamas) personifica. O p&b da fotografia, sujo, está lá para reforçar o desencanto e o cinismo dos homens que já não sabem quem são, de tanto atravessarem de um lado para o outro (do Leste para o Oeste da Alemanha e vice-versa), de tanto atraiçoarem quer para um lado, quer para o outro. O resultado é o oposto da fantasia: e os filmes da série James Bond eram já muito populares na altura. O oposto da espectacularidade (não forçosamente má) poderá ser o realismo (não necessariamente bom). O Espião Que Veio do Frio é o retrato sóbrio e implacável de um homem que precisa "fingir-se" constantemente ébrio para que outros acreditem naquele que mandaram que ele fosse. Tal como o cinema: sempre falso mas quanto mais competente a falsificação, mais forte a impressão de verdade deixada. Numa só palavra, realismo. Que não tem época. Que é intemporal. E que se serve frio.