29 de março de 2007

Barthes: colar o nariz ao écran

"A imagem fílmica (incluindo o
som), o que é? Um logro. É preciso entender esta palavra no sentido analítico. Estou fechado com a imagem como se estivesse apanhado na famosa relação dual que funda o Imaginário. A imagem está ali, diante de mim, para mim: coalescente (significante e significado bem fundidos), analógica, global, prenhe; é um logro perfeito: precipito-me para ela como um animal para o pedaço de trapo 'verosímil' que lhe estendem; e, é claro, ela sustenta no sujeito que creio ser o desconhecimento ligado ao Ego e ao Imaginário. Na sala de cinema, por muito longe que eu esteja situado, colo o nariz, até o esmagar, ao espelho do écran, a esse 'outro' imaginário com que me identifico narcisicamente (diz-se que os espectadores que escolhem colocar-se o mais perto possível do écran são as crianças e os cinéfilos); a imagem cativa-me, captura-me: colo à representação, e é esta cola que funda a naturalidade (a pseudo-natureza) da cena filmada (cola preparada com todos os ingredientes da 'técnica'); o Real, esse, só conhece distâncias, o Simbólico só conhece máscaras; só a imagem (o imaginário) é próxima, só a imagem é 'verdadeira' (capaz de produzir a ressonância da verdade)." [extracto de Ao sair do cinema, texto de 1975]

Roland Barthes
in O Rumor da Língua (Edições 70, 1987)

PS - Quando esta tradução saíu, a grafia portuguesa de écran ainda era igual à francesa. Modernizámos a escrita ("ecrã"), perdemos o laço com a origem.